sábado, 20 de abril de 2013

Marisa Monte em entrevista revela durante turnes internacionais basta acordar e ouvir João Gilberto que me sinto no Brasil.




Confira na íntegra a entrevista concebida pela Marisa Monte ao Jornal de Notícias de Portugal. 

"45 anos de idade, 25 de carreira... a sério, como profissional, que antes a menina que tocava bateria desde os 9 anos já tinha cantado em casa, num musical no colégio e em bares, no Rio de Janeiro e em Roma - onde foi estudar canto lírico e descobriu, nas entranhas, a música brasileira. Marisa Monte, autora de tantas melodias da banda sonora das vidas dos seus fãs portugueses, regressa a Lisboa e ao Porto para quatro concertos esgotados do show Verdade, Uma Ilusão que, mais uma vez, combina o samba e os clássicos brasileiros com o rock e a pop . Uma entrevista pelo telefone, antes da partida para a Europa."
Olá Marisa, boa noite do outro lado do outro lado do atlântico... -Alô. Para mim é bom dia.
Do outro lado do Atlântico, mas em português. Que importância tem na sua vida este português que se divide entre tantos continentes?
_Toda... Toda a minha expressão, a música, a linguagem, foi o português que me deu. Vivo num país que é fruto da colonização portuguesa, tem muitos traços culturais comuns. Mesmo na música, não é? Não dá para dissociar da minha personalidade a presença portuguesa, que é definitiva. E isso acontece com todos os brasileiros, em geral. Há traços na música brasileira, como o violão, o cavaquinho, as linhas melódicas, os assuntos, a saudade, o mar... Comuns à música brasileira e à portuguesa.
E no entanto nunca cantou nenhum poeta português.
_Não. Acho que o português de Portugal tem um sotaque tão bonito que não gostaria de fazê-lo. E, ao mesmo tempo, traduzir para português do Brasil e, por exemplo, cantar um fado com um sotaque carioca, também não seria o melhor para o fado... Prefiro ouvir as vozes portuguesas a cantar música portuguesa, é mais original.
O que é que ouve?
_Escuto Madredeus, a Teresa Salgueiro, Amália, escuto algumas coisas mais jovens... Coisas muito bacanas. Quando vou a Portugal fico muito mais atualizada... A própria Carminho, que ouvi recentemente e que tem uma voz belíssima...
Foi vê-la nos concertos que ela deu aí?
_Não, mas ouvi o disco e tem uma voz linda, linda... Não estive no show dela, mas ela veio ver o meu.
Existe alguma parte portuguesa na história da sua família?
_Na minha família, tanto do lado da minha mãe como do lado do meu pai, todas as gerações que conhecemos são já brasileiras. E isso é uma raridade, no Brasil toda a gente tem uma ascendência de outro país. A família do meu pai é do Ceará, é Sabóia, que parece ser ibérico. Sabóia Monte. A minha mãe é Marques Azevedo.
Já são 25 anos de carreira, não é?
_É verdade, 25 anos de carreira...
E a menina que cantava no colégio alguma vez sonhou chegar tão longe, como diz numa música sua?
_Não... Isso seria muito pretensioso...
Qual foi o primeiro contacto que teve com a música?
_Em casa, ouvindo música e escutando alguns amigos dos meus pais que tocavam violão. Estava perto dessas pessoas e fiz logo muitos amigos músicos, tipo garotos, pessoas jovens do colégio, amigos que também estavam a começar. Sempre que via alguém com um violão, eu chegava perto e ficava... Comecei a aproximar-me disso, e comecei a estudar. Primeiro veio o piano, quando tinha 8 anos. Depois bateria, quando tinha uns 11... A seguir canto, quando tinha 14 anos... E estudei até mais ou menos aos 19, um pouco antes de começar a cantar profissionalmente. Comecei a trabalhar e a estudar na escola da vida. Apesar de ter entrado na Faculdade de Música, aqui, e de ter cursado três ou quatro meses, parei. Já tinha morado em Itália, estudado lá um ano, já estava a começar a fazer muitos shows, estava a aprender mais na vida do que na escola.
Aprendeu a tocar bateria aos 11 anos, e um pouco antes teve a sua primeira bateria, não foi? Não é um instrumento muito normal para uma menina...
_O meu pai adorava samba. Ele é engenheiro, não é músico...
Qual era a ligação dele com a música?
_Na época, anos 1970, era ditadura aqui no Brasil, e ele era um rapaz de classe média, intelectual, com muitos amigos intelectuais, engenheiro, e na época a Escola de Samba representava de alguma forma uma resistência. Era uma manifestação cultural popular, e isso era encantador para ele. Ele não era uma pessoa muito envolvida na política, mas enfim, aproximou-se da Escola de Samba da Portela, começou a frequentá-la com muitos amigos, a ajudar na feitura do Carnaval, a ajudar também como uma espécie de conselheiro... Ele e os amigos viveram muito esse «barato» e ligaram-se muito na escola. Eu era criança, alguns músicos vinham lá a casa...
Só dava samba lá em casa?
_O meu pai ouvia muito samba, não só os grandes talentos da Portela, como Sara Nunes, Monarco, como também Cartola, o Noel Rosa, o Candeia. Todo o mundo tocava muito samba lá em casa, e eu gostava muito de dançar, sambava. E eles falavam para mim: «Ela tem ritmo!» Quando ouvi isso, comecei a virar-me para a bateria, porque tendo ritmo o instrumento ideal era mesmo esse. Comecei a tocar.
Como é que a tratavam esses sambistas com quem o seu pai se dava?
_Não me lembro bem, porque tinha 8 ou 10 anos. Eles é que se lembram de mim. Anos depois fui trabalhar com eles, na Portela. O Monarco...
Pai de um dos seus músicos...
_Sim. Lembro-me, isso sim, de os meus pais dizerem algo como «hoje vem cá a casa um grande cantor e compositor, o Monarco». Lembro-me de o nome dele ser falado lá em casa, e da expetativa que se criava com a vinda dele. Mas quando ele chegava, provavelmente eu já estaria a dormir... Lembro-me bem da aura de respeito que havia em torno do nome dele, a admiração.
Nessa altura era cool gostar de samba?
_Na adolescência comecei a entrar em contacto com outros sons. Os meus pais nunca ouviram rock , eles sempre gostaram mais de música brasileira, ouviam também um pouco de jazz , Ella Fitzgerald, Sarah Vaughan... Não eram de ouvir Rolling Stones ou Beatles. Comecei a ouvir esses sons na adolescência, através dos amigos. E depois houve todo o movimento rock no Brasil, com os Titãs, Legião Urbana, coisas que ouvia quando tinha 15, 16, 17 anos... Quando comecei a cantar, esse movimentorock causou uma rotura na música brasileira, entrou num momento de abertura política no Brasil, era um movimento jovem e contestatário. A voz dava a liberdade para dizer coisas que não podiam ser ditas antes. Era libertador, ao contrário de antes em que era tudo muito repressivo. Vivi isso. Na época, os críticos disseram que estava a acabar-se com a música brasileira.
E estava?
_Realmente, por um momento, eles dominaram e houve essa rotura. Depois, quando comecei a cantar, num segundo momento, aos 19 ou 20 anos, era muito natural para mim as coisas estarem juntas. Cantava tudo, e isso era o que eu ouvia, fazia tudo parte da minha formação. Fui uma das primeiras artistas, depois dessa geração de rock , a olhar para trás e a conciliar o presente com o passado mais distante, contribuindo para um movimento conciliador. Claro que houve outros artistas na época, o Cazuza já estava a começar a cantar Cartola, outros artistas estavam a começar a fazer coisas semelhantes, pelo que houve um segundo movimento de jovens na música brasileira, já nos anos 1990.
Acha que essa é uma das razões do seu sucesso, juntar o rock e o samba?
_Naquele momento foi uma coisa forte, mostrar que o rock tinha valor e a música tradicional brasileira também, que a coisa não era antagónica de forma alguma. Foi um momento transgeracional, as pessoas mais antigas começaram a prestar atenção aos Titãs, como o público que gostava de Titãs começou a prestar atenção à música do Paulinho da Viola. Foi um momento conciliador e foi muito importante. É claro que as coisas depois evoluem, não continuamos sempre a fazer as mesmas coisas, e aí fui vivendo outras conquistas e outros momentos importantes na história do Brasil.
Aos 14 anos teve a sua primeira plateia, num espetáculo no Colégio Andrews, no Rio de Janeiro, oRock Horror Show, em 1982, encenado por Miguel Falabella. Sentiu medo do palco ou percebeu naquele instante que aquela ia ser a sua vida?
_Medo tive muito. Imagine, era o colégio! Numa aula de teatro, o professor chegou e disse que íamos fazer um musical, e perguntou quem cantava. Todo o mundo sabia que eu gostava de cantar e apontaram logo para mim. «Ela, ela!» Ele pediu para eu subir ao palco e cantar. Isso no colégio é morte! Tive pânico de passar vergonha à frente de todo o mundo. A insegurança era enorme, eu cantava para os meus amigos, perto de mim, ali no recreio. Subi, com um menino qualquer que tocava violão, num tom ruim para mim, e cantei uma música. Lembro-me dos nervos. Depois ensaiei o ano todo o musical e no final do ano já estava mais segura, já sabia aquilo que tinha de fazer com a peça, entra aqui, sai ali, canta aqui, termina ali. E fui seguindo.
Ainda hoje tem nervos de palco?
_Em vários momentos, fico mais atenta, mais tensa. É normal. Há dias em que estou tranquila, o som está bom, o equipamento está bom... Depois há aqueles dias em que você se sente pior, ou que deu um jeito no pescoço e está com torcicolo, ou que o som está mais ruim, e torna as coisas mais tensas. Uma pessoa tem de lidar com adversidades no palco, e não passar essa situação para o público.
Mas é do palco que gosta mesmo, não é?
_Adoro... Acho que as dificuldades fortalecem uma pessoa. Enfrento. Não é um pânico que me paralise, mas às vezes as coisas são um pouco mais tensas. Mas é a vida, não é? Tem dias em que tudo é lindo, um sol maravilhoso, outros em que há tempestade, o carro avaria, fica presa no elevador. É tudo normal. A vida é assim. É claro que tento acercar-me o mais possível de conforto, que potencia relaxamento e maior comunicação com o público, que fica também ele mais relaxado.
É conhecida por ter grande atenção aos pormenores, por ter um espírito de enorme profissionalismo...
_É... Não tenho medo de trabalho, a gente sabe que ele tem de ser feito, mas é claro que não consigo controlar tudo.
Morou no bairro da Urca, no Rio de Janeiro, numa família de classe média. Que influência isso teve num país do terceiro mundo?
_Há um frase muito inteligente do Carlinhos Brown que diz que um país rico é um país educado. O maior legado que a minha família pôde dar-me foi a possibilidade de uma formação que me fizesse capaz de me expressar plenamente e ter uma vida plena.
Como a música, que fez parte da sua formação...
_Na minha educação, para além do colégio, os meus pais sempre deram a cada uma de nós a possibilidade de estudar uma língua, um desporto e uma atividade artística. Todos os anos escolhíamos uma coisa para fazer além da escola. A minha irmã estudava piano, eu aprendi um pouco de piano com o professor dela. Quando quis aprender bateria, eles deram-me uma bateria pequena, para crianças, tive aulas dos 9 aos 11 e só depois disso é que tive uma bateria maior.
Os seus pais também lhe proporcionaram estudar em Roma, quando o seu objetivo ainda era ser cantora lírica.
_Bom, o meu objetivo era viver fora do Brasil, viver essa experiência do estudo fora. As minhas duas irmãs mais velhas tinham estudado fora, eu tinha um pouco desse crédito familiar. E fazia sentido para mim ir para fora estudar canto.
E por que razão escolheu Roma?
_Fui fazer audições a três cidades, três escolas, em Londres, Hamburgo e Roma. Escolhi Roma porque falava melhor italiano, tinha lá alguns amigos, achei que era mais fácil para mim. Hoje talvez tivesse escolhido Londres, teria aprendido logo inglês, e é uma cidade mais cosmopolita do que Roma, que é mais pequena.
Mas foi importante para si...
_Sim, foi maravilhoso ter ido para lá e depressa comecei a fazer shows de música brasileira, só ouvia música brasileira, e vi que não fazia sentido abrir mão da minha bagagem cultural, de tudo o que tinha escutado e que fazia sentido para mim. No Brasil não há tradição de canto lírico, eu teria de ficar na Europa para sempre... Achei que havia muito a ser feito no Brasil.
Ou seja, ir para fora fê-la ver melhor como era o Brasil.
_Conheci-me muito e vi o Brasil dentro de mim. Ver o Brasil numa perspetiva de fora foi muito importante para mim.
E o que viu do Brasil nessa altura?
_Vi toda a riqueza musical que tem. Quando viajo em grandes tournées no exterior constato isso muito. A música é uma grande ponte. Eu acordo em Lisboa, mas coloco João Gilberto a tocar e estou logo no Brasil. Os emigrantes, ou mesmo as pessoas que só estão a viver fora por um período da vida, têm a música como um elo de ligação muito forte. E isso funcionou para mim quando estava fora. Só ouvia música brasileira. Isso não podia calar dentro de mim. Vi também a beleza, a importância e mesmo a originalidade da música brasileira. O português cantado, as melodias, o português do Brasil, os assuntos, os sons, os violões, tudo isso é tão bonito...
E foi aí que começou a cantar em bares...
_Já tinha feito algumas coisas assim no Brasil, lá fiz algumas coisas em bares, quando voltei fiz mais algumas coisas, até finalmente montar uma bandinha minha e começar a trabalhar com o Nelsinho [Nelson Motta], que dirigiu o primeiro show .
Conheceu Nelson Motta em Roma?
_A minha mãe é superamiga da irmã do Nelsinho. Quando fui para Roma, ele não estava lá. Tinha trabalhado em Roma e passado lá alguns anos.
Exilado?
_Não, a trabalhar numa filial da Rede Globo em Roma. Ele tinha lá passado uns dois anos, e já tinha voltado para o Brasil. A minha mãe falou com a irmã dele, depois falaram com ele, dizendo que tinha essa menina, filha de amiga, que estava indo para lá. A minha mãe veio com a conversa de que ele já sabia que eu ia para lá, que eu tinha de falar com ele, que ele ia ajudar a conhecer todo o mundo. Morrendo de vergonha, disse que não ia conversar com uma pessoa que nem conhecia. Ela insistiu muito e, nisto, chegámos à véspera da viagem e eu não conhecia ninguém em Roma, achei melhor ir falar com ele, para ter pelo menos alguma dica. Fui, levei algumas gravações que já tinha, ele foi uma graça, recebeu-me, ouviu-me e deu-me o nome de alguns amigos em Roma, que acabei por procurar por lá, jornalistas... Quando estava para voltar para cá, um amigo meu em Veneza convidou-me para fazer um show lá. Aceitei. O Nelsinho foi então a Itália, ver a Bienal, e ligou-me. Veio a Veneza, viu a Bienal e viu o meu show , beleza. Quando voltei para o Brasil, continuei a fazer os meus showzinhos...
O que é que cantava?
_Gilberto Gil, Djavan, Luís Valente... Era violão, percussão e saxofone. Só música brasileira. Aí convidei o Nelsinho para ir aos shows .
Era muito nova...
_Tinha 18 ou 19 anos... Era uma criança. E um amigo meu, por acaso o namorado da minha irmã, decidiu que queria produzir um show meu. Disse: «Vamos montar uma banda sua para você cantar as músicas que quer cantar.» Fui falar com o Nelsinho, e disse-lhe: «Tenho aqui esse amigo que quer produzir o meu show .» E ele falou assim: «O que é que você gosta de cantar?» Fui falando as músicas, ele fez uma lista à minha frente e disse: «Está aqui o seu show . E eu vou dirigi-lo.» E começou a fazer oshow comigo, tinha eu 19 anos e ele muitos mais, já tinha sido produtor e tal... No primeiro show , ele chamou os críticos, jornalistas e algumas pessoas do meio artístico, teve uma repercussão grande. Aí explodiu...
Depois do show é que percebeu o que queria fazer e que não havia mesmo outra hipótese...
_Acho sempre que há outras hipóteses... Só que as pessoas continuam felizes comigo, continuam pedindo, eu continuo feliz e então essa, para mim, é mesmo a principal hipótese.
Qual foi aquele momento em que se transformou, além de artista, em mulher de negócios?
_Sempre fui mulher de negócios. Antes de ir para Itália também tinha uma confeção, sempre me interessei por esse lado, sim, e era bem sucedida.
Mas o que é que fazia?
_Fazia bijutarias, bolsas e cintos.
Vendia onde?
_Em lojas. Tinha quatro funcionários...
Com 19 anos?
_Dos 16 aos 18...
Uau...
_Rica, rica!... [risos] Não sou aquele tipo de artista romântica que não se interessa por nada. Artista é profissão, é uma profissão liberal e você tem de ter um assistente, uma estrutura para poder exercer com plenitude. Sempre me preocupei com a estrutura, a memória...
Gravou as suas coisas desde o início...
_Sempre investi nos meios para fazer as coisas, não fiquei só confiando que é inspiração. É preciso arregaçar as mangas e trabalhar, isso faz muita diferença. É isso que constrói. As ideias são maravilhosas, mas dão muito trabalho...
Foi por isso que decidiu fazer a sua própria editora?
_A minha produtora foi uma necessidade que a gente tem quando vai para a estrada, tem de se profissionalizar.
Mas você é dona da sua própria música, não precisa de estar a explicar...
_Exatamente. No meu segundo disco comecei a compor, vi logo a necessidade de editar as músicas, e então precisava de ter uma editora para fazer esse trabalho. Em vez de editar através de terceiros, abri a minha própria editora.
O que é que isso mudou?
_Se você cede os seus direitos para uma outra editora, vitaliciamente, nunca mais consegue eles de volta. Assim, você edita desde o começo na sua própria editora e fica com liberdade para ela ser administrada por quem você quiser. Se não estiver satisfeita com o serviço de um, parto para o serviço de outro, o que é uma coisa muito mais livre e interessante do que ficar vinculado a uma empresa a vida toda, sem saber sequer o que vai ser essa empresa daqui a cinco ou dez anos.
O Brasil mudou muito nos últimos vinte anos. Hoje existe uma classe média que não existia antes. Isso mudou o panorama musical brasileiro também, há mais mercado?
_Essa mudança coincidiu, no caso da música, com a mudança da tecnologia digital, que foi muito mais profunda do que essa, no Brasil. Teve um impacte muito mais amplo, não só na forma de produzir, como na forma de se distribuir, vender, escutar. Hoje, as pessoas escutam música no telemóvel, no computador, e isso não existia há dez ou vinte anos. A forma de consumir música foi transformada e isso transformou a própria música de uma forma brutal. O facto de tantas pessoas terem acesso a esses bens de consumo é importante, mas a música está a ter um momento de transformação muito interessante, libertador, e que dá muito mais autonomia aos criadores, há o contacto com o público. Há mais trabalho e isso exige mais profissionalismo.
Como é que isso mudou a sua forma de fazer música?
_A minha forma de fazer música é com o violão no colo, pensando, rindo, conversando com os meus amigos, sentindo... Ficamos sozinhos em silêncio, e isso não muda. Mas a forma de botar a música no mundo é muito diferente, hoje temos meios de comunicação direta com o público, e isso ainda está em transformação, estamos a viver isso agora.
_É como se fosse um show constante?
Acho que a vida está mesmo assim, todos os dias estamos obsoletos, todos os dias já estamos ultrapassados em algo. Isso sente-se com telemóveis e computadores, mas reflete-se na música. Por mais que você pense em alguma coisa para daqui a um ano, nessa altura se calhar já não faz sentido.
E você gere isso sozinha?
_Isso é uma questão que se coloca no mundo todo, e eu tento ler, saber e informar-me do que vai na cabeça das pessoas, mas é uma questão global e não apenas minha.
Neste novo disco pôs a faixa Ainda Bem disponível para toda a gente ouvir, grátis, no YouTube.
_Não tem como fazer diferente... Qualquer música que seja disponibilizada para downloadautomaticamente está acessível a todo o mundo, porque toda a gente partilha. É uma adaptação à realidade como ela é.
Agora um artista só ganha dinheiro nos shows, é isso?
_Não... Acho que há muito bons negócios a acontecer, começando na internet. Há muito dinheiro na internet, as empresas de tecnologias estão muito bem, cresceram muito. Só não está regulamentada a distribuição para os fornecedores de conteúdos. Mas isso é uma questão de tempo. As empresas de tecnologias estão a dominar, o Facebook, o Twitter, o YouTube, o Google, estão todos muito bem. E todos são fornecedores de conteúdos e dão acesso a tudo, a publicidade... Agora estão começando a pagar...
A Marisa diz que os seus shows são o seu luxo.
_E é mesmo. É um luxo. Ter uma banda a tocar para você cantar, ter as pessoas assistindo, é sempre um momento grandioso da vida.
O que podemos esperar deste espetáculo que traz agora a Portugal?
_É um show que estou circulando aqui pelo Brasil desde maio, tem sido muito bem recebido. Tem um meio audiovisual, todos os recursos visuais feitos a partir de obras de artistas plásticos brasileiros contemporâneos. Tenho uma curadora trabalhando comigo, para selecionar os trabalhos que dialogam com as canções, e potenciar o sentido das palavras cantadas. O trabalho de impacte poético, no campo visual, é muito grande, e a soma das partes dá um resultado superior. É bonito, poético e forte como mensagem. Impactante e profundo. Fico feliz de poder fazer isto com música popular, que tem uma linguagem coloquial, simples, direta e para muitas pessoas. É uma espécie de exposição de arte itinerante,
Viagens, tournées... Continua a gostar delas como no início?
_Continuo, mas têm sido um pouco mais espaçadas, porque tenho dois filhos pequenos, e tenho de ficar mais tempo em casa. Faço tipo um mês na estrada e um mês em casa. Na Europa vão ser vinte dias, mas depois vou ter um descanso de novo em casa porque as crianças precisam de mim, nem sempre podem viajar porque têm colégio, e a vida na estrada é puxada. Na Europa é show quase todos os dias, e não tem como levá-los sem sacrifício deles também. Eu fazia a mesma quantidade de showsmas num período de tempo mais curto, e hoje faço-os mais espaçadamente, o que para mim está ótimo neste momento da vida.
O que leva para casa dessas viagens?
_Há sempre muitas histórias, reencontros, pessoas que conheço... É uma vida muito rica. Tenho a oportunidade de viver humanamente, lido com o público, e tenho possibilidade de conhecer o ser humano com este meu trabalho.
Como é o público português?
_Muito caloroso, respeitoso, amoroso. Adoro quando eles batem o pé!
No final?
_Às vezes até no meio! Aí é muito bonito, aquele ruído que vai crescendo é tão emocionante!
Para finalizar, o que é o melhor e o pior de si?
_É o que cada um olhar e vir. O que eu digo ali é que cada um vai ter sempre a tentação... Essa música fala da exposição que um artista já vive, é como quem diz «está tudo aqui, não tem como 
dissimular», o meu melhor e o meu pior também, cada um vai ver com os próprios olhos, estou inteira. Ninguém é só bom ou só ruim.
É por isso que chama aos espetáculos «a vida real»...
_É mesmo... Nada sob controlo 

                  
    Allan Mello

(Equipe Blog Marisa Monte e Cia) 



Um comentário :

André Neves (deo_botelho@hotmail.com) disse...

Medo que os portugueses tentem saber quem foi Sara Nunes e deixem passar despercebida a obra de Clara Nunes! rsrs